O presente texto nasce da preocupação com a tutela efetiva dos direitos, liberdades e garantias fundamentais, pilares essenciais de um Estado de direito democrático. A norma constante do artigo 177.º, n.º 3, alínea a) do Código de Processo Penal, que remete para o artigo 174.º, n.º 5, alínea c) do mesmo diploma, suscita sérias dúvidas quanto à sua conformidade com a Constituição da República Portuguesa.
Ao permitir que os órgãos de polícia criminal realizem buscas domiciliárias em caso de flagrante delito, desde que o crime seja punível com pena de prisão, o legislador adotou um critério demasiado amplo e desprovido da ponderação exigida pela tutela dos direitos fundamentais.
Na verdade, a maioria das incriminações previstas no nosso Código Penal contempla, como sanção, penas de prisão. Tal amplitude acaba por permitir que uma medida de exceção e de acentuada intrusão na esfera privada, como é a busca domiciliária, seja utilizada para investigar ilícitos de reduzida gravidade. Imagine-se, a título exemplificativo, a hipótese de uma busca domiciliária em situação de flagrante delito por crime de injúria: a diligência, neste contexto, dificilmente se mostraria necessária, útil ou proporcional à finalidade da investigação, representando antes uma ingerência desproporcionada na vida privada do visado.
A Constituição, no artigo 18.º, n.º 2, consagra o princípio da proibição do excesso, determinando que as restrições a direitos fundamentais se limitem ao estritamente necessário para salvaguardar outros bens constitucionalmente protegidos. O artigo 177.º, n.º 3 al. a), ao não exigir uma ponderação concreta sobre a gravidade do crime nem sobre a real necessidade da medida, desvia-se claramente deste mandamento constitucional. A sua redação, longe de atuar como salvaguarda, confere aos órgãos de polícia criminal um poder de intervenção que pode ser exercido sem o devido controlo judicial prévio, abrindo a porta a atuações potencialmente arbitrárias e incompatíveis com o Estado de direito.
Importa ainda sublinhar que, embora os órgãos de polícia criminal exerçam funções de grande relevância e mereçam o devido respeito institucional, não dispõem da independência e da autonomia que caracterizam os magistrados judiciais e do Ministério Público. A possibilidade de lhes atribuir a iniciativa de uma medida tão gravosa como a entrada no domicílio de um cidadão agrava o risco de uma intervenção estatal desnecessária e excessiva, contrariando o espírito protetor que a Constituição procura assegurar.
Esta preocupação encontra paralelo no direito europeu. No acórdão Tele2 Sverige AB e Watson, de 21 de dezembro de 2016 (processos apensos C-203/15 e C-698/15), o Tribunal de Justiça da União Europeia reafirmou a importância da vida privada e da inviolabilidade do domicílio, previstas no artigo 7.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, sublinhando que o legislador nacional não pode prever ingerências amplas e automáticas sem ponderar a gravidade e a adequação das medidas. O mesmo entendimento foi reiterado no acórdão Ministerio Fiscal, de 2 de outubro de 2018 (processo C-207/16), em que o Tribunal reafirmou que a gravidade do crime e a utilidade da diligência são fatores determinantes na aferição da proporcionalidade.
À luz destes fundamentos, entende-se que o artigo 177.º, n.º 3, alínea a) do Código de Processo Penal, ao remeter para o artigo 174.º, n.º 5, alínea c), deve ser objeto de fiscalização abstrata sucessiva, nos termos do artigo 281.º, n.º 2, alínea d) da Constituição, de modo a garantir a sua conformidade com a Lei Fundamental e com o direito da União Europeia. Mais do que uma questão de técnica legislativa, está em causa a necessidade de preservar o equilíbrio entre a eficácia da investigação criminal e a proteção da esfera privada do cidadão. Num tempo em que se exalta a eficiência processual, importa recordar que o verdadeiro progresso jurídico reside no equilíbrio entre segurança e liberdade, entre a ação do Estado e a dignidade humana que este deve servir e proteger.
Ao permitir que os órgãos de polícia criminal realizem buscas domiciliárias em caso de flagrante delito, desde que o crime seja punível com pena de prisão, o legislador adotou um critério demasiado amplo e desprovido da ponderação exigida pela tutela dos direitos fundamentais.
Na verdade, a maioria das incriminações previstas no nosso Código Penal contempla, como sanção, penas de prisão. Tal amplitude acaba por permitir que uma medida de exceção e de acentuada intrusão na esfera privada, como é a busca domiciliária, seja utilizada para investigar ilícitos de reduzida gravidade. Imagine-se, a título exemplificativo, a hipótese de uma busca domiciliária em situação de flagrante delito por crime de injúria: a diligência, neste contexto, dificilmente se mostraria necessária, útil ou proporcional à finalidade da investigação, representando antes uma ingerência desproporcionada na vida privada do visado.
A Constituição, no artigo 18.º, n.º 2, consagra o princípio da proibição do excesso, determinando que as restrições a direitos fundamentais se limitem ao estritamente necessário para salvaguardar outros bens constitucionalmente protegidos. O artigo 177.º, n.º 3 al. a), ao não exigir uma ponderação concreta sobre a gravidade do crime nem sobre a real necessidade da medida, desvia-se claramente deste mandamento constitucional. A sua redação, longe de atuar como salvaguarda, confere aos órgãos de polícia criminal um poder de intervenção que pode ser exercido sem o devido controlo judicial prévio, abrindo a porta a atuações potencialmente arbitrárias e incompatíveis com o Estado de direito.
Importa ainda sublinhar que, embora os órgãos de polícia criminal exerçam funções de grande relevância e mereçam o devido respeito institucional, não dispõem da independência e da autonomia que caracterizam os magistrados judiciais e do Ministério Público. A possibilidade de lhes atribuir a iniciativa de uma medida tão gravosa como a entrada no domicílio de um cidadão agrava o risco de uma intervenção estatal desnecessária e excessiva, contrariando o espírito protetor que a Constituição procura assegurar.
Esta preocupação encontra paralelo no direito europeu. No acórdão Tele2 Sverige AB e Watson, de 21 de dezembro de 2016 (processos apensos C-203/15 e C-698/15), o Tribunal de Justiça da União Europeia reafirmou a importância da vida privada e da inviolabilidade do domicílio, previstas no artigo 7.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, sublinhando que o legislador nacional não pode prever ingerências amplas e automáticas sem ponderar a gravidade e a adequação das medidas. O mesmo entendimento foi reiterado no acórdão Ministerio Fiscal, de 2 de outubro de 2018 (processo C-207/16), em que o Tribunal reafirmou que a gravidade do crime e a utilidade da diligência são fatores determinantes na aferição da proporcionalidade.
À luz destes fundamentos, entende-se que o artigo 177.º, n.º 3, alínea a) do Código de Processo Penal, ao remeter para o artigo 174.º, n.º 5, alínea c), deve ser objeto de fiscalização abstrata sucessiva, nos termos do artigo 281.º, n.º 2, alínea d) da Constituição, de modo a garantir a sua conformidade com a Lei Fundamental e com o direito da União Europeia. Mais do que uma questão de técnica legislativa, está em causa a necessidade de preservar o equilíbrio entre a eficácia da investigação criminal e a proteção da esfera privada do cidadão. Num tempo em que se exalta a eficiência processual, importa recordar que o verdadeiro progresso jurídico reside no equilíbrio entre segurança e liberdade, entre a ação do Estado e a dignidade humana que este deve servir e proteger.